segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Concebendo utilidade a coisas (aparentemente) inúteis

No final post anterior, comentei sobre o fato de a procrastinação gerar um tipo de tensão que nos impulsiona a conceber utilidade a coisas e momentos que seriam, num momento de puro ócio, aparentemente irrelevantes. Desse modo, pode-se conseguir ótimas ideias, insights e resultados que não seriam conseguidos sem a tensão do ato de procrastinar.
Por exemplo, você precisa redigir um trabalho, mas está enrollando pra começar (não importa o motivo). Aí você, como quem não quer nada, vai até o seu violão, coloca ele no colo e começa a dedilhar pela milésima vez Stairway to Heaven. Porém, nesse momento, há certa tensão no ar e então você se senta com a postura correta, segura firmemente o instrumento e não fica "dedilhando":você ESTUDA. A tensão te faz sentir responsável e o impede de agir de modo displiscente, pois assim você confirma à sua mente que não está "perdendo tempo". Resultado: você deixa a sua técnica muito mais sofisticada.
característica de quem não está sob o efeito da "tensão pró-crastinadora": toca largado.

Outro exemplo para ilustrar essa situação é uma palestra muito interessante da antropóloga Mirian Goldemberg (indico para todos que estão na pós-graduação ou que trabalham com a escrita). Nele, a antropóloga abre o coração, e apesar de em nenhum momento citar a palavra procrastinação, podemos reconhecer o "momento tensão pró-crastinadora" na passagem abaixo:

"A única novela que me permiti assistir foi Laços de Família, pois tinha a justificativa de estar dando um curso sobre a família na pós-graduação com a Bila. Depois, publiquei dois artigos sobre a novela para provar para mim mesma que não estava vagabundeando".

Ora, e porque ela precisava provar para si mesma que não estava vagabundeando? Porque certamente, enquanto assistia a novela, ela pensava nos relatórios a escrever, nas aulas a preparar, nas provas a corrigir...Se ela estivesse com tudo pronto, ela deitaria no sofá confortavelmente e o máximo de reflexão que teria seria sobre o fato de o tom de pele terracota da Vera Fischer estar descombinando com seu cabelo platinado (ok, estou exagerando, talvez ela fizesse reflexões sobre família e pós-modernismo no Brasil, mas a culpa não seria tanta a ponto de produzir artigos sobre isso, vai).

Em resumo, um pouco de tensão pró-crastinadora, às vezes, cai bem.

"huuumm, acho que isso rende um artigo pra congresso..."

Um comentário:

Cauê disse...

Hahaha genial seu blog. Era tudo o que eu precisava para aceitar meu modo de viver. A palavra "procrastinar" já tinha passado pela minha vida como sinônimo de adiar, mas nunca a vi como você descreve e estuda por aqui. Adorei.

Só que não consigo assinar suas postagem Atom com meu leitor de RSS. Será que, sem procrastinar, você poderia criar um endereço no feedburner no google e disponibilizar na barrinha lateral para seus leitores?

Obrigado e parabéns, gostei mesmo. O pedido do feedburner é pra eu lembrar de visitar seu blog sempre.


bj